sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Franqueza

Bonito. Tudo belo, bonito. Parece claro, sutil, limpo. Acima de tudo, limpo.
Envolta em tamanha bolha invisível, superficial e ilusória. Lembra até um comprimido, em alguns casos. O caos vem depois que o tempo passa, é o que dizem.

Teria mais cor se todos percebessem tal clareza? Seria mais certo, mais palpável?
Curiosa a forma como concordamos quando estamos na situação. Ao vivenciar fascinante deslumbre, como se tudo o que se visse, fosse azul; como se tudo o que se sentisse, fosse alegre; como se tudo o que se segurasse, fosse eterno.

E T E R N O.
de alguma forma, subjetiva palavra. Afinal, qual a grandeza em que se destaca?
Eterno 'para sempre'. Eterno em uma vida. Eterno por uma semana.

Ao sair da bolha, vire à esquerda e desconfie da eternidade.
Vire à direita e indague o concreto.
Vire do avesso e perceba a limpidez.

Limpidez essa, existente apenas na água corrente que impulsiona o comprimido para dentro do corpo. Daí nascerá a bolha interna.
Alimente-a diariamente, e ela logo crescerá.

domingo, 22 de novembro de 2009

Corto, recorto, pinto com carvão. Suo tinta guache. Acendo todos os fósforos. Espalho cloro na sala. Cândida nos tapetes. Mordo fronhas já furadas. Leio remédios. Nada.

Grau

Não vejo a chuva, não vejo a guia, não vejo o vento.
A noite, hoje em dia, desconhecida qualquer.
Não vejo o breu, não vejo a lua, não prego o olho.

Martelo. Martelo, martelo. Não explico o motivo de fazê-lo, mas faço. Subjulgo, depois esqueço.
Esqueço, rabisco, esqueço. E volto a martelar.

Não vejo o cinza, não vejo as chaves, não vejo a neve. Nunca vi, só imaginei - O que todos os pensantes fariam em meu lugar. Imaginação, por um correr de horas. Um correr de dias, na verdade. Imaginação, e só isso.
Me pergunto, às vezes, se é real... E agradeço por não ser.
Talvez eu queira mesmo demais, chore demais, busque demais. E depois perde-se a graça.
Não vejo graça, não vejo mentira. E olha que já me calaram a boca por hoje... os olhos e a boca.
Pena que o silêncio não me convém.
Pena que o silêncio não me conviva.
Está tudo meio quieto, calmo demais, por hoje. Que bom que existe vida, ainda que fora de mim.

Não vejo as mãos, não vejos as pálpebras, não vejo os mares.
Só ouço onda e voz. Onda e voz, se sobrepondo cada vez mais depressa. Mais alto. Mais surdo.

Não vejo o ar. Não vejo fora, não vejo dentro.
Esguio-me, escapo, escorro.
Afinal, que há com essas paredes?
Quero derrubá-las então, reconstruí-las com meus dedos. Manchá-las com minhas cores. Erguê-las com meu perfume.

Não vejo o sebo. Não vejo força. Não vejo o ralo.
Verde, laranja, verde, preto, verde, vermelho. Por todos os cômodos.
Não vejo o verde.
Não vejo o risco.
Não vejo cera.

Não vejo dor. Não vejo febre, calor.
Estão todos a muitos gritos por hoje. E ainda assim não vejo as trilhas, os fundos, a pausa.
Ouço as vozes e acredito nos berros.
Vejo os berros.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Um quarto de hora

Um copo de água cheio.
Um grito, calado no peito.
O tempo, mais que sóbrio, lento.
Recesso, acesso, alento.

A flor, a cor, o campo.
A noite, a corte, o manto.

E mais duas peles absorvidas
Uma quente, outra fria
Outra fria, uma quente,
e assim sucessivamente.
Até restar apenas o momento,
o presente.

Sem pele, sem cor, mas cheio.
Como o primeiro copo, mais três.

E a percepção da sobriedade relativa.
E a comunicação, a vontade, a cretina:
A saudade, aplicada com morfina.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Ponto de fusão

Olhei mais uma vez para suas mãos, fechadas em punho, o que sem dúvida alguma me intimidava. Forcei um sorriso constrangido, mas sentia-me asfixiada demais para demonstrar a cena sutil que pretendia.
Naquele momento, me senti guardada em um pote vazio de vidro com pouco ar. Guardada em um pote de vidro, tampado, para mais tarde.

-Se apresse, limpe logo esse rosto, menina. Suja assim não é bonito andar na rua. Ora, não precisa se envergonhar, todos nós precisamos de guardanapos às vezes. - e me entregou um pacote deles.

Podia sentir o vermelho tomar posse de minha face. Deslizei um guardanapo pelo rosto e quis vomitar.
Toda aquela dissimulação estava me enojando, mas o que eu podia fazer? Era mais um de tantos outros treinos para o espetáculo que logo se seguiria.

Ele me entregou meus braços e pernas e logo os guardei na bolsa. Saiu em passos rápidos, ainda como quem aperta o ar entre os dedos.
Segurei com força minhas têmporas, com medo de que caíssem, e o segui.
Tentei alcançá-lo, mas agora ele corria, quase como se fugisse de mim.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

em (re)construção

As frutas estavam frescas, e estavam enfeitando a mesa. É, estavam sobre a mesa e, janela afora, o sol pairava no alto, no topo do céu, embora quase alcançável com as mãos, quase trazido aqui, até o chão.
Bem alto. E bem perto.

Em dois cortes transversais, arranca-se a epiderme. Com algumas perfurações, alcança-se o osso. E sente-se fácil, por entre a ternura dos rasgos gelados, toda a fervura que pinga no assoalho. Bem assim, como receita de bolo. O ruim é ter que comê-lo após o prazo de validade. Ruim também é esse tira-manchas, nada eficiente - sempre deixa a desejar com esses resíduos opacos que permanecem. É preferível lavar de uma vez as mãos.

Enxuguei alguns pedaços de pano, ontem. Depois os torci. E torci para que logo secassem.
Choveu mais cedo do que o previsto, outra vez, e lá se foi todo o trabalho da secura. Inundou toda a varanda, e a garganta. Era visível o corante que escorria dos hematomas, rente à pele.

As frutas continuavam enfeitando a mesa. Hoje estavam secas, em sintonia com os raios a iluminar o céu, agora escuro, ressaltado pelas ondas do som dos trovões. Mas eram vistos no alto, no topo do céu.
Bem alto.
E bem perto.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Um dia perdido entre papéis amarelos.

Foi rodando, rodando rápido, rodando a cabeça, os olhos, os atos.

Levantei e cai, levantei e cai.

Subi e desci, subi!
E desci.

Minhas pernas não paravam de gritar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Certeza

Era uma vez em que era incerto afirmar. Os lábios secos pela nova doçura não passavam de lábios secos. E lá estava ela, mascando limões como quem come açúcar, esperando o trem passar.

Dizia-me que era só questão de tempo, que logo ele já partiria. Se esvairia em meio à multidão abstrata, para correr, por fim, despercebido, como se jamais houvesse parado naquela estação.
Insistiu tanto que iria passar, que passou.
Passou um dia, correu um mês, voou um ano. E todos os atrasos e ponteiros perderam-se em meio as tantas caligrafias escorridas pelas folhas.

Curiosa foi a forma como, ao perceber-se misturada perante os tantos líquidos que vivera, começou a lidar com os ventos de norte a sul. E como ascendiu de maneira rápida - ou talvez não tão rápida - ao cinza aceitável, esquecendo aquele outro, mofado e sufocante, a que se dera ao luxo de absorver, por tempo até demais. E então abdicou ao tempo.

Disse-me, assim, que se permitiu enxergar cada cor com sua devida energia, que passou a mesclar por todas as paredes de seu cinza instável.
Era muito, em pouco. Muito em pouco tempo.
Pendurou-se então num impulso certeiro pelas horas, pelos inválidos (e válidos) momentos que corriam sem sua percepção.

E já eram várias vezes.
Mas agora havia a diferença.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Aurora

Confesso que precisei de dois ou três jatos de água fria na face para acordar do transe entorpecente por completo. Tudo ainda me parecia de um real absoluto, confundido com a abstração daquelas vozes e expressões indecifráveis a olhos e ouvidos distraídos, assim como todas aquelas cores em uma mistura ilusionista, parecendo querer me engolir de uma vez só, me devorar, me absorver e me deixar nesse estado fora de foco, em uma sensação de massa sovada e experimentada, prestes a enfrentar o forno e sua temida boca de calor artificial.

Pensei que jamais fosse me sentir com tamanho enjôo após o resultado do vermelho que gritava meu nome, fundido com o verde ao sol dos olhos cor de mel de alguém, e até com o amarelo vivo, como gema de ovo, naqueles trapos na vitrine, seguido pelo azul que adentrava pelo fim de meu corpo em busca de qualquer resíduo de consciência, migalhas.

Pensei em desativar todos os botões, de uma só vez, sem pesar, e nem pensar. Depois, em algum momento, reativariam-se naturalmente as diversas partes e peças sobreviventes, com mais cuidado e atenção, aproveitando também a época de arrancar as flores mortas e replantar novas mudas cegas. Ou semi-cegas.
Isso existe?

A questão principal, e que mais me fez ranger os dentes, foi a busca incessante, e no fim, frustrante, por meus sapatos. Procurei por toda parte, até mesmo - acredite - embaixo dos papéis amassados e empoeirados. Não os achei. Então foi preciso estender as camisetas molhadas e sentir novamente o vento ríspido e gelado tocar meu rosto e colar minha roupa ao corpo, com a mesma delicadeza de um rebanho de búfalos a correr por medo da chuva.
Búfalos temem a chuva?
Talvez não tanto quanto eu.

Corri para o gramado e deitei, vagando minha subjetividade pelos vales da imaginação e da indagação automática: "Como seria se as ilógicas e mágicas cores não tivessem aparecido em meu sonho?"
Sonho?
Respirei todos os materias de construção da reforma da rua de dentro e aspirei, inclusive, toda a tinta que escorria pelas desinteressadas paredes há tempos já manchadas.
Levantei-me e corri para o casarão branco cujas vidraças verde-claras sorriam para mim. Pareceu-me convidativo, até demais.
Gritei para a neblina, e desejei a ruptura daquela névoa imediatamente. Joguei fora meus trezentos suplementos diários - todos aprisionantes e desgastantes demais, para tão bonito lugar - e entrei.
Esperei por algum conhecido até acabar-me nas perdidas horas.
Não me permito falar com estranhos.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ladrilhos

Sem um sentido, um abrigo, uma capa contra a chuva, um menino, pela rua, o semáforo e a lua; Vem no brilho, vem depressa, corre e esbarra, uma fresta, que se fecha, se enrosca, se interessa, mas se posta. Vem pulando, vem passando, corroendo, se perdendo, num embalo, num momento, cerra os olhos, o alento, que se ofega, que acelera, e se move, se orienta, só comove, salienta, e se apega, e se esforça, escorrega, se destroça...
Corre o trem, segue o ritmo, a plataforma, perde os trilhos, chora e implora, submete, e espera pelas sete, sete vezes, sete horas, sete erros, sete horas, sete olhos, sete horas, sete vidas, sete horas.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

"Página não encontrada"

Cortes cicatrizados que são cruelmente feridos outra vez - com navalha afiada fabricada por si mesma - onde encontram-se todas as novas sensações, perante uma mistura de cenas acontecidas e pensadas, imaginadas e não-concretizadas, e, junto delas, o resultado da multiplicação do medo com a insegurança, com a falta, com o abandono, com o escuro... Escuro ao extremo o buraco imenso, intenso e extenso, que se forma exatamente na região central do estômago, rasgando as paredes do mesmo e queimando, ao se espalhar, todos os outros órgãos que ali ainda deveriam existir, provocando rupturas e perdas de pedaços pelas partes, atrofiações e quebras de ossos, estouro de veias e hematomas pela pele, em meio à ânsia contínua de querer se auto-vomitar.
O cheiro enferrujado de sangue inunda as narinas, e a boca, e o copo de vidro, e a carne que se rasga e se destrói, com a futilidade de uma real não-existência, deixando um amargo e torturante gosto que entope as artérias e as faz explodirem até putrificarem por completo todo o resto do corpo que ainda respira em meio à sujeira deixada pelo asqueroso pedaço de carne sangrenta ao chão, agonizando por sua estúpida existência e à espera de sua completa perda de sentidos, para que se complete enfim, no conforto de sua única e indócil verdade: O vazio.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Cola líquida

Subiu as escadas correndo, um andar pulado, mais um, de dois em dois.
Quis ignorar qualquer parte escorregadia, molhada pela água que escorrera das portas, que inundara todo o andar, e toda a vila, e todo o espaço, e todo o mar. O mar que ela enxugava com os panos secos.
Tremeu ao pegar o amontoado de chaves que escorregara de sua mão, e girou uma, e outra, e outra vez. Qual era mesmo a chave certa?
Atormentada, telefonou. Reclamou e exigiu respostas, exigiu perguntas, exigiu uma qualquer importância, ou uma qualquer indignação. E a maldita chave que há muito não vira.
Então esperou. Sentou-se em cima de um tapete surrado entre a porta de madeira e as escadas de mármore. Decidiu forçar mais um pouco seu apetite por sono, por música, por tinta. Aliás, havia muita tinta fresca, por todo o corrimão.
Em vão, todo o esforço. Não era ninguém para a audácia da ligação, não era ninguém para qualquer transtorno alheio. E as têmporas voltaram a pulsar.
Ah, quem estava tentando enganar? Depois de todos aqueles jogos de montar sem resultado, e todas as casinhas de construção espalhadas pelo chão sem sucesso...
O vento derrubara tudo, mas por quê? Todas aquelas letras não teriam mais força que qualquer tempestade? Então por que a distância?
Fechou-se em sua mágoa e mordeu toda a chuva reprimida nos olhos. Não queria fazer nada disso, não queria estar sozinha naquele momento. Queria uma mão, uma pálpebra, uma máscara nova, a prova de ouvidos e olhares.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cera

Era a próxima da fila.
Sentada em uma daquelas cadeiras desconfortáveis, que fazem as costas doer.
Percebeu o amontoado de gente que chegava, um atrás do outro, sempre a olhando com desprezo, insatisfação. Como se faltasse algo. Ou tivesse um algo em demasia.
Ignorou alguns olhares, e se concentrou em sua expectativa. Já era a próxima da fila, não precisaria se preocupar com o resto.
Impaciente, mexia as pernas, roía as unhas, mordia o lábio. Fechou os olhos e, em vez da escuridão, viu o abstrato cheio de cores. Cores enjoativas, enojantes, entorpecentes, e até viciantes. E em meio ao vício desgostoso, vomitou todas as lágrimas, todos os rasgos, todo o sangue que ali cozinhara em água fervente, toda a bile, toda a água engolida a força, todos os remédios de placebo, todas as ânsias, os anseios, e por fim, todas as noites perdidas.
Se levantou, se recompôs. Mas agora não havia mais ninguém lá.
Os estranhos, os apressados, os curiosos que ali há um minuto estavam, haviam deixado o local com aspereza, cuspindo no chão.
As horas passavam, mas agora nem mais a ansiedade a angustiava. Tudo já havia sido posto para fora, já não restava mais nada dentro de seu corpo abatido. Corpo e espírito.
Continuava como a única da fila.
E aguardava, sem nada pensar, sem nada olhar, ou esperar. Aguardava, em um ritmo incessante dos cílios a subir e descer, aguardava sua vez, como já aguardava há tempos.
Era triste, diziam, ver a menina sentada por todo aquele tempo naquela cadeira, naquele lugar úmido.
Não havia mais ninguém na sala, na casa, na rua. Apenas alguns olhos corajosos que de vez em quando tornavam a aparecer em frente à casa dos vidros quebrados.
Ela permanecia sentada, meio curvada.
Longe.
Aguardando.
Já era a próxima da fila.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

01h07 am

Agora restavam só aquelas antigas palavras jogadas.

O que mudou os trejeitos e as feições em um correr (absurdo) de horas, mudou também a coerência, a clareza e a veracidade daqueles cálices finíssimos, lotados de promessas jorradas com tamanha elegância, de letras unidas e cospidas com tamanha certeza, a boca dentro, a boca pendente, a boca fora.

Hoje, é o assunto predominante nas línguas pessoais. Não, nada íntimo, é claro. Nada individual. Respostas escolhidas a dedo, suposições cortando cada pedaço que ainda ficou. E um resíduo do que foi dito, jurado e, parcialmente, esquecido.

Algo parecido com uma pedra, no meio de um lago. Um empecilho, um obstáculo.
Ou até como um prego sendo martelado por horas. Mas nunca fundo o suficiente.

Os rabiscos deixados por caneta e apagados com borracha.
Os papeis rasgados com repulsa, colados com saliva.
O cheiro forte e a náusea consequente, a nostalgia propriamente dita, por sua máscara de ferro.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Análise

Enxerga-se um raio forte atravessando uma, entre as tantas imensas janelas da casa no fim da rua. E, fixando-se bem o olhar, pode se enxergar o sorriso tranquilo irradiando nos dentes amarelados da menina deitada ao sol. Tomada pelo sol.

A questão que o reflexo, o único reflexo, dado pela única janela iluminada por todo o estabelecimento supõe, é a de um vazio. Buraco. Oco. Como desenhos rabiscados por crianças, sem sentido algum aos olhos adultos e objetivos ao observá-los. Tomados, porém, por todo um sentimento interno, uma realidade significante, cofidicada, de maneira inocente, pelas mãos de quem o traça. Talvez assim como essas linhas tortas.

"É uma casa."
"Minha família."

"Minha angústia."
Pois pode-se interpretar algo semelhante a isso.
Igualmente forte, igualmente gritante.
Um desenho entre linhas, decifrável, embora calado. Quieto. Tímido, até.
Tímido como um timbre soado suavemente, como um pigarro mal tossido, um olhar desviado, um choro reprimido.

E perante tantas suposições, tantos pensamentos, (in)compreensões, permanece calada, sorrindo, fatigada, a menina da janela, da casa cuja única janela predomina brilhante, por um sorriso fascinante, ofuscando todo o resto, em suas emoções exaustas, derrotadas e descontadas na contração dos lábios ao acordar, no seu merecido descanso, seu descaso, seu ensaiado progresso, amarelo.

sábado, 27 de junho de 2009

Circo

Por toda parte, e por todo inteiro.
Perseguição, diluída na esponja, reprimida nos dedos, por obsessão.
Mais um passo, e um suspiro. Mais outro passo, e o silêncio.
Óleo, relva, névoa. O obscuro, o tormento. Incerteza e dor, dor que tortura o íntimo de modo que, aos gritos pulsantes entre os batimentos, só resta ao rosto contrair-se, em mais algumas ruas alagadas.
Desertos de benevolência, palcos vazios, inaplaudidos.
Num vazio paralelo, uma criança rodopia por entre as cochias, por entre os chicotes, o estalar de dedos, dedos em bocas, nas línguas faladas, gritadas, cuspidas, entonadas ao som de um velho vinil riscado.
E entre laços, balanços e palhaços, o espetáculo para ninguém. O ruído das portas se abrindo e fechando - Fantasmas risonhos e desenrolados, desenvolvidos, comunicados, como fora dito que chegariam, junto à frente fria.
Palmas e agradecimentos, risadas, taças a tilintar. Não se sabe o que mais brilha, entre as quatro rachadas paredes. Não se percebe o que está ofuscado, entre as quatro insanas paredes. Não se entende como há tanto, e tão pouco: Como vê-se tanto as cascatas cintilantes sobrenaturais como as poças intermináveis de sangue fresco, entre as quatro inexistentes paredes.

Funcionamento

Hiatos circundando locais movimentados, figuras acompanhadas, um pretérito mais-que-abandonado.
Ambíguo como uma boca com boca não deveria ser. Ilógico, como essas linhas demonstram ser.
Abismos jogados, punhais cortados.
E por toda essa lama que escorre dos olhos, pelo rosto e pelo corpo, num caminho sensual e imundo, escorre junto cada edifício, e cada construção, cada apelo, nu e entregue, em vão.
E que se quebre, que se leve pelo vento, às árvores a chacoalhar, num ritmo lento e estonteante, viciado, deslumbrante, e ilusório, por assim ficar.
Ilusão. Lógico. Redução ao psicológico. Numa confusão de entorpecentes irrelevantes e momentos, cenas marcantes.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Ontem, amanhã.

Era como dizer em línguas tortas, palavras mortas, coisas que não se poderia dizer.
E veja como o vento faz os cabelos voarem... Como cada dia que passa o frio se aproxima.
Uma conturbação de neblina e anseio por novos ares, novos bares. Coisas tolas, que meus olhos demoram a enxergar. Necessárias.
Se a cada suspiro escapado desaparecesse uma marca, como seria?
A vontade de vivenciar mundos passados, lugares passados, pessoas passadas, memórias passadas e até lembranças reprimidas surge enquanto não sou levada pelo sono. E pelos sonhos.
Engraçado como os sonhos influenciam em nosso cotidiano. Os meus, pelo menos. Cada dia com menos cor. Menos sentido.
A realidade me amassa. Algumas vezes, me mantém. Me estraçalha. Me fortalece.
Confuso. Paradoxal. Minha própria existência, meu ego, minha rotina.
Em mais uma salada de comércio. Uma salada de ignorância acentuada.
Um café quente, para começar bem o dia. E continuar a sonhar. A sonhar o desconhecido.

sábado, 23 de maio de 2009

Colo.

É só mais uma tempestade do lado de fora.
Logo menos aparece alguém para secar as gotas que restaram escorrendo na janela.
Logo mais o sol volta a raiar. Acredite, uma hora ele volta.
Cubra-se com o edredom mais quente que houver, essa noite será fria. Apenas aperte minha mão, e deite-se tranquilo.
A força seria essencial agora. Tente encontrá-la sem precisar desses comprimidos amargos. Ela está dentro de você... Difícil, sei. Mas sei que pode achá-la. Tem a minha ajuda.
Vamos, me deixe te abraçar, te passar nos braços, nas veias, nos olhos, tudo o que precisa.
Você vai vencer, e logo os ventos serão outros.
Logo o ar volta a ser respirável, as mãos param de tremer, as olheiras somem, as rugas cessam.
Elas cessam.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Nine O'clock

Sorrisos iluminando a noite, pedras chutadas ao longe por tênis surrados.
Avenida movimentada, fria, mas lubrificada por vozes envergonhadas, olhares constrangidos, que exalam uma alegria contida e intensa, adotada somente pela vivência do momento.
Horas jogadas fora, aproveitadas, caminhando sem pressa, apressadas. Mais duas horas, por favor. Mais três minutos, se possível.
Risadas abafadas, gostas de suor.
Depressa, mais depressa. O mundo não tem dono hoje, um universo sem governo, algum lugar inteiro.
E já são nove da tarde. Tarde da noite, que não tem fim. Já são nove da manhã.

domingo, 17 de maio de 2009

Tão longe

Lábios trêmulos, olhos borrados.
Mais um assombro, um recesso, suco de uva escorrendo pelos cantos, espalhado, jorrado por toda parte.
Macia voz que canta o asfalto: Embriagado, de tanto se morder.
Onde tudo aquilo foi parar, onde foi?
Mãe, a gente já vai chegar, falta muito?
Veias carregadas de impaciência, indiferente, ah, como se fosse mesmo, formada por espelhos. Conhece-te primeiro, percebe-te primeiro, sinta o gosto. Som de desconforto na luz fraca.
Mais uma nota. Mais uma hora. Poeira nos dedos, no canto da sala.

sábado, 16 de maio de 2009

Nublado.

Barulho incessante, contínuo, constante. Pleonasmo vicioso. Um chuveiro mal fechado ou uma torneira meio aberta, difícil identificar.
Uma rua deserta, de carros. Cheia de gente. Todo tipo de gente. Fantasmas. Estranhos. Não se deve dirigir-se a eles.
Fumaça, gargalhada estridente. Dois cigarros engolidos de uma vez. Dois ou três... Parece pouco. Fumar não é pra mim.
Lua minguante, céu sem estrelas, lotado de nuvens. Lotado. Disseram-me que vai chover. Mudaria o céu, mas não a lua, pena. Ela permanece minguante, por mais que chorem águas, lágrimas, sangue. As nuvens uma hora somem, dando lugar as estrelas, acredito. Esperança, abatida.
Algo está mudado, errado, fechado.
Alguém feche a torneira.
Ninguém fecha a torneira.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Surpresa.

Vozes ao redor, olhares e comentários.
Vermelho tapete, joias de plástico.
Bonecos ensinados mostrando serviço, dentes brancos, demais moças ofuscadas.
Abram caminho, é ela. Reprimam as palavras e agucem a visão. Vejam como ela tem poder. Salto alto, tão alto, obsessão.
Radiante de beleza, radiante, mulher puro-brilho.
Aplausos, recebam-na como merece. Digna de passos largos, toques contidos, flashs nada discretos.
Capa de revista, mulher maravilha. Salve o mundo em uma palavra.

('How 'bout a round of applause?')

quinta-feira, 14 de maio de 2009

... E o meu instinto, deixe correr. Correr pelos vales, pelos cantos, pelas veias, pelos corpos, deixe. Só não me faça perder o equilíbrio. Não faça com que ele caia, da palma da minha mão.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Ventos.

Flocos de dor na chuva pesada, ronco de motor partindo, janela embaçada.
Um abraço suado depois do futebol, luvas sujas. Um sorriso torto em mais um adeus. Culpa.
Fronteira de vidro, distância constante. Um telefonema de três em três meses. Ou quatro. Bagunçados meses, ar de asfalto, preocupação.
Água corrente, esmalte roído. Queijo fresco em cima da mesa vazia.
Um café mal engolido, um 'bom dia' em palavras decoradas. O último deles, lugar rotineiro.
Soro tomado, papéis rasgados, planos derretidos. Cheiro de tinta fresca.