terça-feira, 26 de março de 2013

"Você é ninguém?" Eu sou. "Você é ninguém?" Eu não. "Você é ninguém?" Sou eu.
Ei, sou eu.
Ninguém.

Se eu te pedir, você corre pro teatro comigo? Ando transbordando todas essas minhas sensibilidades, mas, vê se você acredita, olha isso: eu não consigo chorar.
Só no teatro consigo chorar. E preciso tanto.
Você corre pro palco comigo? Só no palco consigo ser. Eu. Ninguém.
Consigo ser e chorar, quando tem palco. Quando tem eu.

Nesse final de semana senti saudades de alguém.
Nesse final de semana me perdi nos sentimentos de alguém. Não soube distinguir. Não soube entender.
Nesse final de semana te esqueci de ser.
Nesse final de semana me esqueci de ser.
Senti saudades de mim.
Me perdi em mim.
Não soube distinguir, entender, ser.
Nesse final de semana fui ao teatro.
E chorei.

O chão, as tintas, os trapos, as letras de música, a argila, a dança, os corpos, os rabiscos, os gritos, os beijos, os chorinhos, as coincidências, o papelão, os papelões.
O balde de água.

O feno, o chão, o vazio, o sujo, a busca, a e-xis-tên-cia. O papel-papelão.
"Vi alguém privado de sentimentos, nulo, sozinho (...), era esticado e leve, era rosado, e não sentia absolutamente nada, um dia na praia começou a correr em direção ao mar, mergulhou, e nunca mais emergiu, eu vi quando se fez em curva e apontou a cabeça para as águas, vi dorso, nuca, brilhos, brilhos na cabeça, pensei: estranho, moveu-se como quem sentiu".

Teatro amassa a gente. Espreme até escorrer sentido, ainda que em uma lágrima só, só.

Mas ninguém viu.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Aqui o céu é todo aberto, que nem naqueles campos de flores que tem em filme europeu. Aqui tem flores também, mas são menos expostas, e de cores menos vivas. Aqui dentro, a gente não respira. Não tem fio elétrico, proteção.

Do lado de cá, a areia cresce e corre entredentes, entre o vento. Metade de mim quer ir embora correndo. Metade de mim quer ficar pra observar os raminhos amarelos que crescem por entre as raízes insólitas do lado de lá.

É um lugar todo cheio de vazio. De nublado, de frio. De santo desgastado, de vaso quebrado, de planta pálida invadindo pedra gasta. De baixo, uma energia imensurável, emanando ar quente de uma não-respiração. Me pergunto se são suspiros, lamentações ou só desabafo de alma-sem-corpo, manifestando sua essência-existência-esquecida.

Nesse piso disforme tem calor.

Tem que ter grana pra chegar digno nessa periferia de esperança e indiferença. Tanto na ala dos túmulos-de-mármore quanto na dos buracos-com-montes-de-terra. Eu costumava achar que era tudo fechadinho, trancadinho, mesmo quando mal cuidado. Mas não. Tem flor seca, casinha de pedra abandonada, voz falha, capela arrombada.

Será que roubaram meu corpo?

sábado, 9 de março de 2013

O meu medo-empolgação, que há dias me impulsionava tranquila, hoje me irrompe impositor - trocou de lugar o simples do vento-de-balançar-as-folhas-e-deixar-cair, pela preocupação e força, arbitrárias, das raízes.
Esse medo, de ver os pedaços de casco desiguais, misturados em pedras, chão seco, música, chuva e cor, era seu, e eu roubei.
Hoje é seu dia de arriscar pelo inconcreto. Hoje é seu dia de largar minha mão e deixar esse medo cor-de-laranja te fazer cócegas.
Eu odeio cada sílaba do novo lirismo que você espreme, encantada.
Faz escorrer poesia desse sabão verde, composto por ar puro, reciclado. Me mostra pra ler num sorriso nervoso; me amassa o nosso caderno (agora) em branco, de-versos-mancos-que-já-se-fechou.