terça-feira, 14 de maio de 2013

Era fim de tarde quando Maria chorou. Maria tem as pernas finas, o rosto pintado e um medo imenso de morrer. Maria, menina, não chora, vem cá. Maria, segura o medo, segura o choro, segura aqui a minha mão, ó. Lembro da cor do céu, vazio de fios e de nuvens, que resplandecia cortado pelo vento úmido quando Maria chorou. Era de um laranja seco, de arder o olho mesmo de quem, orgulhoso como eu, não chorava. Maria estava perdida, e se desencontrava mais e mais nos dias em que não me puxava para conversar.
Maria, estou aqui, se acalma. Maria, respira devagar, que a gente vive mesmo é pra se jogar, se ralar inteiro e sofrer. Resta só continuar respirando, ainda que sem fôlego.
Maria nunca foi de se permitir sentir, e isso porque sempre soube que era de sentir demais. Até que foi pega assim, desprevenida, pela invasão de um sentimento todo novo, sorrateiro e safado que adentrou seu corpinho de criança-crescida pra espancar os cantos mais frágeis de suas barreiras auto-construídas. Maria se apaixonou outra vez, quando já havia se prometido - e me jurado - que amar outra pessoa de novo era balela, maluquice intransponível, logo ela, logo ela, que já sentira tanto, não havia de ser, não não, era impossível. Maria perdida, me puxando pela mão.
Maria, a vida faz dessas com a gente. O céu laranja, o vento rasgado. Maria, põe um casaco, que vai esfriar. Maria me ouvia, mas não reagia. Eu titubeava. Maria chorava. Eu, resgatando o íntimo mais teatralizado de mim, contava com a mais opaca das expressões, na pretensão de sonegar minha - nossa - tranquilidade. Maria, seja forte - eu dizia pra ela e pra mim. Maria, paixão é desses sentimentos que só sabem trazer beleza - eu mentia pra ela e pra mim. Tudo vai acabar bem, Maria. Eu suspirava: que nem com a gente, Maria, que nem com a gente.
Maria chorava no meu colo que nem criança. Que nem eu chorei por tantas vezes no dela. Que nem quando a gente era criança. Que nem quando a gente é. Maria, a gente não é mais. Maria, pára de ter medo, vai. Eu desenrolava na língua palavras impensadas, como que para me livrar de carregá-las sozinha.
O céu laranja, o vento rasgado. Num sobressalto de segundo, o ar bateu ríspido no rosto de Maria e ela reagiu como alguém que, de repente, acorda. Maria concorda. A feição infantil sumia, e ela, a minha Maria, me olhava agora com olhos de realização. Maria agora entendia, e eu também. Era ela, não mais minha, Maria. Maria apaixonada me condenava por me compreender no mesmo estado. Maria me condenava por saber que essa nossa tristeza de agora era mera desculpa de quem tem medo, também, de viver. Maria apaixonada me deduzia, como sempre me deduzia, encantada. Maria agora cúmplice, agora reconhecível, espelho, sensibilidade. Maria, não fala isso, eu não quero ouvir.
Maria e eu, perdidas em encantos díspares. Eu e Maria, com medo de escorregar, separadas. Eu e Maria com medo de pedir auxílio para outro colo, para outras mãos.
Maria, me deixa segurar a sua mão?