terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Eu já não lembrava como uma colisão de tantas ruínas, juntas, seria capaz de adentrar no mais íntimo-profundo-obscuro de todos os órgãos do corpo, no meio da noite. A madrugada cruel, fazendo careta no meu quarto; as falas, as falas, as falas correndo loucas no pensamento presente - impotente - à parte de qualquer cumplicidade.
"Tens uma máscara, amor, violenta e lívida, te olhar é adentrar-se na vertigem do nada, iremos juntos num todo lacunoso se o teu silêncio se fizer o meu, por isso falo falo, para te exorcizar, por isso trabalho com as palavras, também para me exorcizar a mim, quebram-se os duros dos abismos, um nascível irrompe nessa molhadura de fonemas, sílabas, um nascível de luz, ausente de angústia. melhor calar quando teu nome é paixão". Hilda Hilst

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

simples cidade, minha

Peso e leveza disputam constantemente pela minha atenção - mas o equilíbrio me chama e me puxa, todo completo, por ser meu, tão somente meu, exato e disléxico.
Minhas crises não vão passar, eu sei. Que vou deitar e que vai ainda pesar. Que vou continuar submersa em medo-vergonha-ansiedade-angústia-desespero. Nessa ou naquela manhã, nesse ou naquele meio de tarde. Mas que fica tudo bem.

Que fica tudo bem, por hoje, sempre fica tudo bem, por aqui, porque eu ainda posso fugir do trabalho no começo da noite e ver que existe claridade do lado de fora da redação; pular umas ruas até a Santos e tomar um chocolate quente da Kopenhagen com dupla dose de chantilly.
Mais do que posso, eu quero. E assim, por querer, não mascaro minhas angústias. Eu só me deixo viver, dançando desajeitada sobre o pesado que me carrega os dias.

Um cheiro de escola antiga, daquela minha região de saudade, toda desbotada. A sensação ansiosa de pular o último degrau da escada sem tropeçar, e fazer o mesmo quando acaba a rampa de correr da linha amarela do metrô, na adrenalina nervosa de não cair. Cruzar a banquinha da Frei esperando que alguém apareça. Ter o sorriso colado no sorriso de alguém. Relembrar as vezes em que corríamos juntos naquele monte de grama, antes de ele me fazer voar no balanço. Ter o vento das dez da noite atravessando a manga do meu moletom e ter o tempo tomado por uma conversa sobre os astros, os mundos e os pontos de vista de cada um. Dois copos cheios, algumas filosofias furadas, algumas muitas risadas. Esses tipos de coisa, que fazem feliz.
Eu sou feliz.

Sou feliz porque me deixo: vivo exposta à minha complexidade, que gosto tanto, respirando cada momento que consigo - que me esforço para - tornar simples. Que gosto do simples, também.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

"Ele alongou ainda mais o braço. O corpo acompanhava, num esforço tão grande e lento que precisou tirar uma das pernas do chão. Estendeu-a no ar, equilibrando-se a princípio precário sobre a outra, depois mais e mais seguro, enquanto o braço estendido, o tronco alongado e a perna suspensa formavam uma linha quase perfeitamente horizontal. O rosto agora tinha uma expressão de prazer. Ou de expectativa de prazer. À beira da alegria, o rosto. O que quer que estivesse no limite dos dedos, pensou o outro, estava para ser tocado no próximo segundo. E não conseguiu evitar certa tensão ao olhar fixo, meio hipnotizado, os cinco dedos excessivamente entreabertos. Tanto que - de onde estava, podia ver - os ossos nas costas da mão dele se faziam mais salientes. Nascendo do pulso, um feixe de cinco ossos finos, nervosos. Sem querer desejou que, fosse o que fosse, ali, guardado no ar, à espera do toque, entre as paredes brancas, os dedos encontrassem logo o objeto. Que se fechassem definitivos sobre eles numa espécie de posse, para alívio dos dois".

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Por um mundo onde seja mais fácil resistir ao café rasgante da redação em dias como esse.
Em dias como esse, queria um mundo onde fosse mais fácil resistir à tentação de deteriorar escolha, unha e sentimento. Por um mundo onde seja mais fácil digerir a queda, a quebra e a perda de qualquer-coisa-que-um-dia-foi-tão-viva. Mastigar e engolir essa sensação filha da puta que fica aqui, entalada.

Em dias como esse, esses meus sapatos molhados pela chuva esfriam o corpo todo, do-início-ao-fim-ao-meio. Essa chuva toda torta, que eu detesto tanto que me atrai, que me faz escorregar e dançar, escorregar e dançar, num ritmo descompassado e manipulado por ela. Eu, marionete.
"A vida é coisa doida", você diz. Sem querer esmaga e amassa a gente, sem a gente perceber.
Alô, ô vida, me deixa decidir sozinha, vai. Me deixa apagar sofrimento, me deixa pular essa, aquela, e mais outra parte. Me deixa me esconder, só hoje.
Me deixa ser covarde.

Direita, esquerda, direita, esquerda.
Um reto vazio.
"Quantos caminhos cabem em seus sapatos?"
Eu, pedaço. Você, outro: inteiro.
Um reto sem nós de mãos dadas.
Respirar todo esse vento, de chuva gelada, em dias como esse, é difícil pra caralho.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

VT - Retranca: Lapada Dreaming
Fim do mundo (8/1)
Morte no Tatuapé (9/1)
Paparazzi (10/1)

(Cabeça)

- Vem, vem, segura minha mão aqui, cês dois!
- Tá desmoronando tudo, a gente tem que correr depressa!
- Pega aquele carro! Você dirige?
- Eu dirijo!
- Vai, vai, corre, que o palco vai cair!
- Pára de rir! É sério!
- Não consigo, não consigo!
- Nem eu!!
- Eu tô achando tudo isso muito doido!
- Eu tô feliz!
- Que bom que tem vocês!
- Cooooorreeeeeeee!

(VHT)

- A Marília morreu.
- ESSA É A COISA MAIS ABSURDA QUE PODERIA TER ACONTECIDO!
- O Fábio é o maior suspeito.
- Ele é um bosta. Um bosta. Desde o começo, eu sabia!
- Eu vou interrogá-lo. Eu vou descobrir pra você.
- Eu não vou poder ficar.
- Eu sei.

(VHT)

- Dizem que eles nem moram juntos há tempos, na verdade, sabia?
- Não pode ser...
- É verdade! Ela já mora sozinha, mas ele vem algumas vezes durante a semana, de surpresa. É bom nem chegar perto, porque nunca se sabe o dia.
- Mas...
- E ele tem 72 anos.
- Quê?
- São os boatos, são os boatos... Parece que viram ele chegando de limousine, o cabelo branquinho, branquinho.

(Trilha final)

(Boa noite)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Inspira; sístole
expira; diástole
no mesmo compasso
mesma sintonia
respirar o presente
sem (des)esperar .
Ser um milhão de pessoas ao mesmo tempo - uma diferente pra cada toque diferente.
Não nasci pra ser metade, mas, sem perceber, sou (e faço) porcentagem.

Seres humanos são perecíveis.
Até eu.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Me dê acidez no estômago, um café forte pra misturar na úlcera, um soco na expectativa e um chute certeiro na idealização, mas não, não me faça ausência, descaso, indiferença, não.
Perceber como um banho pode ser duradouro quando se pensa na duração passageira de um encanto é de foder com qualquer estômago. Imagina só com um que tem propensão a gastrite.
Tanto quanto inegavelmente desconcertante, é também bonita a forma como os instantes se sobrepõem, ao passo em que se esquecem, ritmados. São surpreendidos, e então supridos, e então suprimidos. São deixados ali, no cantinho, pra hora do café-com-comprimidos.

Prontos para fazer passar toda a intenção.
Prontos para fazer passar toda a tensão. Todo o tesão.

Prontos para surgirem divergentes, descompassados; outra, e outra, e outra vez mais.