terça-feira, 6 de outubro de 2009

Aurora

Confesso que precisei de dois ou três jatos de água fria na face para acordar do transe entorpecente por completo. Tudo ainda me parecia de um real absoluto, confundido com a abstração daquelas vozes e expressões indecifráveis a olhos e ouvidos distraídos, assim como todas aquelas cores em uma mistura ilusionista, parecendo querer me engolir de uma vez só, me devorar, me absorver e me deixar nesse estado fora de foco, em uma sensação de massa sovada e experimentada, prestes a enfrentar o forno e sua temida boca de calor artificial.

Pensei que jamais fosse me sentir com tamanho enjôo após o resultado do vermelho que gritava meu nome, fundido com o verde ao sol dos olhos cor de mel de alguém, e até com o amarelo vivo, como gema de ovo, naqueles trapos na vitrine, seguido pelo azul que adentrava pelo fim de meu corpo em busca de qualquer resíduo de consciência, migalhas.

Pensei em desativar todos os botões, de uma só vez, sem pesar, e nem pensar. Depois, em algum momento, reativariam-se naturalmente as diversas partes e peças sobreviventes, com mais cuidado e atenção, aproveitando também a época de arrancar as flores mortas e replantar novas mudas cegas. Ou semi-cegas.
Isso existe?

A questão principal, e que mais me fez ranger os dentes, foi a busca incessante, e no fim, frustrante, por meus sapatos. Procurei por toda parte, até mesmo - acredite - embaixo dos papéis amassados e empoeirados. Não os achei. Então foi preciso estender as camisetas molhadas e sentir novamente o vento ríspido e gelado tocar meu rosto e colar minha roupa ao corpo, com a mesma delicadeza de um rebanho de búfalos a correr por medo da chuva.
Búfalos temem a chuva?
Talvez não tanto quanto eu.

Corri para o gramado e deitei, vagando minha subjetividade pelos vales da imaginação e da indagação automática: "Como seria se as ilógicas e mágicas cores não tivessem aparecido em meu sonho?"
Sonho?
Respirei todos os materias de construção da reforma da rua de dentro e aspirei, inclusive, toda a tinta que escorria pelas desinteressadas paredes há tempos já manchadas.
Levantei-me e corri para o casarão branco cujas vidraças verde-claras sorriam para mim. Pareceu-me convidativo, até demais.
Gritei para a neblina, e desejei a ruptura daquela névoa imediatamente. Joguei fora meus trezentos suplementos diários - todos aprisionantes e desgastantes demais, para tão bonito lugar - e entrei.
Esperei por algum conhecido até acabar-me nas perdidas horas.
Não me permito falar com estranhos.

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