terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cera

Era a próxima da fila.
Sentada em uma daquelas cadeiras desconfortáveis, que fazem as costas doer.
Percebeu o amontoado de gente que chegava, um atrás do outro, sempre a olhando com desprezo, insatisfação. Como se faltasse algo. Ou tivesse um algo em demasia.
Ignorou alguns olhares, e se concentrou em sua expectativa. Já era a próxima da fila, não precisaria se preocupar com o resto.
Impaciente, mexia as pernas, roía as unhas, mordia o lábio. Fechou os olhos e, em vez da escuridão, viu o abstrato cheio de cores. Cores enjoativas, enojantes, entorpecentes, e até viciantes. E em meio ao vício desgostoso, vomitou todas as lágrimas, todos os rasgos, todo o sangue que ali cozinhara em água fervente, toda a bile, toda a água engolida a força, todos os remédios de placebo, todas as ânsias, os anseios, e por fim, todas as noites perdidas.
Se levantou, se recompôs. Mas agora não havia mais ninguém lá.
Os estranhos, os apressados, os curiosos que ali há um minuto estavam, haviam deixado o local com aspereza, cuspindo no chão.
As horas passavam, mas agora nem mais a ansiedade a angustiava. Tudo já havia sido posto para fora, já não restava mais nada dentro de seu corpo abatido. Corpo e espírito.
Continuava como a única da fila.
E aguardava, sem nada pensar, sem nada olhar, ou esperar. Aguardava, em um ritmo incessante dos cílios a subir e descer, aguardava sua vez, como já aguardava há tempos.
Era triste, diziam, ver a menina sentada por todo aquele tempo naquela cadeira, naquele lugar úmido.
Não havia mais ninguém na sala, na casa, na rua. Apenas alguns olhos corajosos que de vez em quando tornavam a aparecer em frente à casa dos vidros quebrados.
Ela permanecia sentada, meio curvada.
Longe.
Aguardando.
Já era a próxima da fila.