sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Um dia perdido entre papéis amarelos.

Foi rodando, rodando rápido, rodando a cabeça, os olhos, os atos.

Levantei e cai, levantei e cai.

Subi e desci, subi!
E desci.

Minhas pernas não paravam de gritar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Certeza

Era uma vez em que era incerto afirmar. Os lábios secos pela nova doçura não passavam de lábios secos. E lá estava ela, mascando limões como quem come açúcar, esperando o trem passar.

Dizia-me que era só questão de tempo, que logo ele já partiria. Se esvairia em meio à multidão abstrata, para correr, por fim, despercebido, como se jamais houvesse parado naquela estação.
Insistiu tanto que iria passar, que passou.
Passou um dia, correu um mês, voou um ano. E todos os atrasos e ponteiros perderam-se em meio as tantas caligrafias escorridas pelas folhas.

Curiosa foi a forma como, ao perceber-se misturada perante os tantos líquidos que vivera, começou a lidar com os ventos de norte a sul. E como ascendiu de maneira rápida - ou talvez não tão rápida - ao cinza aceitável, esquecendo aquele outro, mofado e sufocante, a que se dera ao luxo de absorver, por tempo até demais. E então abdicou ao tempo.

Disse-me, assim, que se permitiu enxergar cada cor com sua devida energia, que passou a mesclar por todas as paredes de seu cinza instável.
Era muito, em pouco. Muito em pouco tempo.
Pendurou-se então num impulso certeiro pelas horas, pelos inválidos (e válidos) momentos que corriam sem sua percepção.

E já eram várias vezes.
Mas agora havia a diferença.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Aurora

Confesso que precisei de dois ou três jatos de água fria na face para acordar do transe entorpecente por completo. Tudo ainda me parecia de um real absoluto, confundido com a abstração daquelas vozes e expressões indecifráveis a olhos e ouvidos distraídos, assim como todas aquelas cores em uma mistura ilusionista, parecendo querer me engolir de uma vez só, me devorar, me absorver e me deixar nesse estado fora de foco, em uma sensação de massa sovada e experimentada, prestes a enfrentar o forno e sua temida boca de calor artificial.

Pensei que jamais fosse me sentir com tamanho enjôo após o resultado do vermelho que gritava meu nome, fundido com o verde ao sol dos olhos cor de mel de alguém, e até com o amarelo vivo, como gema de ovo, naqueles trapos na vitrine, seguido pelo azul que adentrava pelo fim de meu corpo em busca de qualquer resíduo de consciência, migalhas.

Pensei em desativar todos os botões, de uma só vez, sem pesar, e nem pensar. Depois, em algum momento, reativariam-se naturalmente as diversas partes e peças sobreviventes, com mais cuidado e atenção, aproveitando também a época de arrancar as flores mortas e replantar novas mudas cegas. Ou semi-cegas.
Isso existe?

A questão principal, e que mais me fez ranger os dentes, foi a busca incessante, e no fim, frustrante, por meus sapatos. Procurei por toda parte, até mesmo - acredite - embaixo dos papéis amassados e empoeirados. Não os achei. Então foi preciso estender as camisetas molhadas e sentir novamente o vento ríspido e gelado tocar meu rosto e colar minha roupa ao corpo, com a mesma delicadeza de um rebanho de búfalos a correr por medo da chuva.
Búfalos temem a chuva?
Talvez não tanto quanto eu.

Corri para o gramado e deitei, vagando minha subjetividade pelos vales da imaginação e da indagação automática: "Como seria se as ilógicas e mágicas cores não tivessem aparecido em meu sonho?"
Sonho?
Respirei todos os materias de construção da reforma da rua de dentro e aspirei, inclusive, toda a tinta que escorria pelas desinteressadas paredes há tempos já manchadas.
Levantei-me e corri para o casarão branco cujas vidraças verde-claras sorriam para mim. Pareceu-me convidativo, até demais.
Gritei para a neblina, e desejei a ruptura daquela névoa imediatamente. Joguei fora meus trezentos suplementos diários - todos aprisionantes e desgastantes demais, para tão bonito lugar - e entrei.
Esperei por algum conhecido até acabar-me nas perdidas horas.
Não me permito falar com estranhos.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ladrilhos

Sem um sentido, um abrigo, uma capa contra a chuva, um menino, pela rua, o semáforo e a lua; Vem no brilho, vem depressa, corre e esbarra, uma fresta, que se fecha, se enrosca, se interessa, mas se posta. Vem pulando, vem passando, corroendo, se perdendo, num embalo, num momento, cerra os olhos, o alento, que se ofega, que acelera, e se move, se orienta, só comove, salienta, e se apega, e se esforça, escorrega, se destroça...
Corre o trem, segue o ritmo, a plataforma, perde os trilhos, chora e implora, submete, e espera pelas sete, sete vezes, sete horas, sete erros, sete horas, sete olhos, sete horas, sete vidas, sete horas.