terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Amarelo. Um olhar caído. O corpo inchado. Um novo corpo - interno. Um novo nódulo, pra agravar o machucado. Uma bateria de exames e uma vontade imensa de te levantar. Um sorriso murcho, tão amarelo quanto seus olhos. O seu abraço, as nossas lembranças, deitados na cama, olhando prum teto mais rachado que nossos dedos secos. Minha mão quente, a sua fria. Nossos cérebros difusos - ambos aqui, e ambos aflitos. Quero te pedir pra ficar. Quero te pedir pra sempre me pedir, sem vergonha, pra ajustar o despertador nos horários dos remédios. Quero te pedir pra me contar mais um milhão de vezes todas as nossas um milhão de histórias. Não me importo de ouvir, mais uma vez, sobre quando líamos os sabores de suco ao contrário, na padaria, depois de comprarmos uns três gibis da Mônica e o nosso Cornetto de praxe. Nem de quando eu te descrevi como "um cara bochechudo, que nem eu", pra inspetora do Sesc, quando achei que tivesse te perdido, atrás dos cartazes da exposição. Nem da vez em que fomos pra Peruíbe e você gastou a vida com uma caldeirada e eu implorei por uma lasanha congelada. Nem de quando o gás vazou e os bombeiros invadiram o apartamento de vocês poucas horas antes de eu nascer. Ou das vezes em que descíamos aquela ladeira comprida, enorme, e eu virava de ponta da cabeça, colocando os pés em cima do porta-malas. Ou da vez em que você pagou um sorvete pro meu amigo japonês que, é claro, não pôde deixar de dizer o quanto você era legal por isso. Eu quero te encontrar de óculos escuros no seu carro velho ali na Vila Mariana e quero que você me leve pra comer mais um milhão de vezes naquela nossa "casa boa de esfiha". Eu quero que a gente vá no Central Plaza lembrar da época em que tinha cama elástica e assistir qualquer filme bobo no Cinemark. Eu quero te ouvir cantando e relembrando as vezes em que dançávamos naquela sala vazia, gelada. Hoje, ela parece muito menor - e muito mais vazia, já que você pouco desce. Eu quero, ainda, que você me conte sobre essa (nossa) família complicada. Quero entender cada pedaço que nunca me coube sequer saber. E eu quero que você me ligue em horários variados, enquanto eu estiver no trabalho-na-lanchonete-no-bar-na-casa-de-alguém, porque eu vou te atender. Eu quero clarear seus olhos, seus órgãos, sua cabeça, seu coração. Quero arrancar fora minha fragilidade, te apertar forte, perto de mim, e te passar toda a força do mundo. Quero conseguir te mostrar tudo isso, e tudo mais que eu quero, de carinho, de energia e de gratidão.

Quero que a realidade vire, distorça, mude. Quero corrompê-la. Quero criar uma bolha pra te proteger, e me enfiar dentro dela, junto com você, pra fugirmos de todo o angustiante, incerto e rasgante que sustenta esse momento.

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