sexta-feira, 7 de junho de 2013

6 de junho - Capítulo I

Oito da noite, quinta-feira na Paulista. Seria normal trombar com alguns tantos engravatados entristecidos, cansados pela rotina laboral à qual são diariamente submetidos. A burocracia, os carrões e tudo bem, tudo sempre bem, que era quase sexta, já era quase amanhã. Explosão. Estávamos imersas na loja de chocolates, a qual largamos às pressas, e só porque "corre, vem ver, vem ver!". Multidão. Jovens de preto, bandeiras coloridas, gente estampada-escancarada; carregavam faixas de letras grandes que condenavam o aumento da passagem de ônibus. "3,20 é roubo!", e como era, e como é. Juntamos crenças e sapatos, "Ésse-pê parou!", respiração ofegante, batuque de rua, batuque aqui de dentro. "Se a passagem aumentar!", sacos de lixo derrubados, fogo e fumaça. "A cidade vai parar!", vidros dos metrôs quebrados, pichações. A primeira cabine da polícia sendo derrubada e chutada bem ali, do nosso lado. Mascarados, realizados, sorriam e se aplaudiam. Cúmplices, presentes, aplaudíamos em uníssono, mudas em sorrisos extasiados. A Avenida dominada por nós.
O caos era de um desequilíbrio organizado. Unidos, todos, por um mesmo ideal - ainda que unidos, todos, sobre si mesmos, por suas vertentes próprias. "Vocês tão olhando feio por quê? Andam de carro, né!". Olhos assustados- engravatados, surpresos pelo não convencional em meio à tradicional rotina cinza - condenavam os "meliantes". E olha o trânsito, a cidade parou. E olha a baderna, a cidade parou. E olha pra gente: a-cidade-parou.
Espera, espera, não olha agora, mas acenderam as luzes - e não as da avenida, que conseguimos apagar, cidade escura moldada à nossa cor - acenderam as luzes vermelhas, aquelas ali atrás que vêm embaladas em incômodo: sirene. "Sem correr, sem correr!" Espanto. "Sem correr, sem correr!" Explosão. "Corre!".
A praça lotada dos mais diversos figurinos deu lugar a tiros de borracha, spray de pimenta e um batalhão de homens nervosos querendo impor respeito. Nunca me deram esse respeito, quis dizer. Quis dizer, mas que infâmia, nunca me deram farda e chapeuzinho.
A multidão se escondia no shopping enquanto nós nos espreitávamos na primeira loja que nos surgiu; por acaso, intimista, lingeries. As portas do shopping fechando, as luzes-sirenes se acumulando, o nariz ardendo e os gritos, os gritos, os. Ironia escorria em risada desesperada. Entraram eles, todos, correram eles, todos, invadiram eles, todos, nada menos que o Shopping Paulista. Policiais pararam de atirar. Consumo, carrões, sentido. Como poderiam afinal, eles próprios, destruir seus próprios existires? Mas tudo bem, tudo bem, que quem apanha é sempre o errado - quem destrói e desrespeita o que é de direito público - esses manifestantes folgados, é claro.
Três ou quatro ou dezessete minutos dentro daquele aquário, em observação - sendo observadas? - até a tensão parar. "Vocês não estavam aí nesse enrosco não, né?". A dona da loja e o celular na aflição; mas tudo bem, tudo bem, que a filha estava muito bem dentro da faculdade, muito bem segura entre as paredes, entre os deveres. Respeitada, a menina.
Saímos pela lateral, contra-fluxo, pé-ante-pé visando a calçada já vazia, quando inúmeros carrões da tropa de choque passaram exibindo seus enormes pênis de plástico. Conseguia ler, em seus olhos, o famoso jargão "eles estavam pedindo". Dei risada. Andei e - agora sim - gargalhei quando vi o carro de bombeiros, com toda sua pompa e seu poder, apagando chamas gastas de uns sacos de lixo espalhados próximos à Brigadeiro. Sobras de um carnaval fora de época; na hora certa. Inversão momentânea, foco distoante, helicópteros e câmeras de tevê, ali, onde passa-se todo dia, sem perceber. Ali, onde vive-se todo dia, sem perceber.
Era câmera lenta na Paulista, agência Reuters ao vivo, escuridão e gás, mas estávamos atrasadas para o teatro. Contra-fluxo, inebriadas, esgarçamos nosso tempo, passos apressados flutuando excitação.

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